Crise no Douro: queda no consumo de vinho do Porto agrava tensão social e ameaça tradição centenária
A redução histórica no consumo de vinho do Porto acende o alerta no Douro. Produtores enfrentam cortes na produção, protestos e incertezas sobre o futuro, enquanto governo e setor discutem soluções para preservar uma tradição centenária.

Nos últimos anos, o Douro tem enfrentado uma tempestade silenciosa que agora se transforma em um vendaval. O consumo mundial de vinho do Porto caiu cerca de 32% desde o ano 2000, e o impacto nas encostas íngremes da região já se traduz em números preocupantes e protestos nas ruas.
A proposta mais recente da Associação de Empresas de Vinho do Porto (AEVP) é reduzir a produção da vindima de 2025 para 68 mil pipas de mosto — o menor volume em décadas. Na prática, isso representa 22 milhões de euros a menos para os viticultores este ano e até 48 milhões perdidos quando somados os cortes das três últimas colheitas.
Por que reduzir a produção?
Segundo a AEVP, a medida é necessária para evitar estoques elevados que possam forçar a queda nos preços e enfraquecer toda a cadeia de valor. Para as empresas exportadoras, a desaceleração nas vendas internacionais torna arriscado manter o nível produtivo das últimas décadas.
O argumento, no entanto, não convence boa parte dos produtores, que afirmam que a solução não está em cortar volume, mas em reforçar a promoção e abrir novos mercados.
Resistência no campo
Em 2022, a produção havia sido de 116 mil pipas; em 2023, 104 mil; e, em 2024, caiu para 90 mil. Agora, o corte proposto para 68 mil é visto como um golpe duro demais, especialmente para pequenos e médios viticultores que dependem exclusivamente da venda das uvas.
Na última semana, a Régua — coração do Douro — foi palco de protestos organizados pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e pela Associação de Viticultores Independentes do Douro (Avadouriense). Os produtores exigem preços justos, mais transparência e políticas que protejam o rendimento das famílias da região.
Medidas emergenciais e promessas do governo
Para tentar aliviar a crise, foi aprovada a medida "Uva para Destilação", permitindo que parte da colheita seja vendida para destilação, com compensações financeiras.
O ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, prometeu ainda um pacote de apoio com:
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Linha de crédito de €100 milhões para o setor;
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€19,5 milhões destinados à destilação;
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€14,2 milhões para promoção internacional do vinho do Porto.
O objetivo é injetar cerca de €34 milhões entre 2025 e 2027, numa tentativa de evitar o colapso social e econômico.
Vindima de 2025: a mais difícil em décadas
Empresários e cooperativas alertam que este ano poderá ser ainda mais dramático do que 2024. Há relatos de cancelamento de compras por parte de compradores habituais e de agricultores que consideram abandonar as vinhas.
O risco não é apenas econômico: o Douro, Patrimônio Mundial da UNESCO, carrega mais de 2 000 anos de tradição vitivinícola. Uma quebra significativa na atividade pode impactar diretamente a paisagem cultural e a identidade da região.
O que está em jogo
No fundo, a discussão vai além dos números. Trata-se de decidir como preservar um produto de prestígio global, sem sacrificar a base que o sustenta: os viticultores.
Entre reduzir a produção, buscar novos mercados, reforçar campanhas de promoção e diversificar produtos, a escolha que o Douro fizer nos próximos meses poderá definir o futuro do vinho do Porto para as próximas gerações.
Reflexão final
Será que cortes tão drásticos são a única saída? Ou o momento exige um investimento agressivo em promoção, inovação e abertura de mercados?
A resposta ainda não é clara, mas o tempo para agir está se esgotando.