O cálice proibido: na roma antiga as mulheres eram proibidas de beber vinho

Entre cálices e proibições: a história de uma restrição

O vinho era, sem dúvida, um dos pilares da cultura romana. Presente em festas religiosas, banquetes públicos e reuniões privadas, a bebida era considerada uma dádiva dos deuses, especialmente de Baco (o equivalente romano de Dionísio). Entretanto, esse néctar divino não era para todos. Às mulheres, o acesso ao vinho era estritamente proibido, principalmente às casadas.

A sociedade romana via o vinho como um risco à virtude feminina. Acreditava-se que o álcool poderia incentivar comportamentos "imorais", como a infidelidade ou a desobediência. Por isso, normas sociais — e até jurídicas — surgiram para conter o consumo feminino.

A Lei das Doze Tábuas (século V a.C.), uma das primeiras codificações legais romanas, já tratava de questões relacionadas ao comportamento feminino, embora a proibição direta do vinho seja mais atribuída a costumes do que a leis escritas específicas. Segundo fontes históricas, como o escritor Plínio, o Velho, e o historiador Valério Máximo, havia a prática de punir severamente mulheres suspeitas de consumir vinho — com castigos que podiam chegar até a morte.

Sim, a morte. Reza a tradição que Egnatius Mecenius matou sua esposa por tê-la flagrado bebendo vinho, sendo absolvido porque o ato era visto como legítima defesa da honra familiar. Outro costume recorrente era o "beijo-testemunha" (osculum), no qual o marido ou parente próximo beijava a mulher para sentir se ela havia bebido.

O controle era tão rígido que apenas uma pequena quantidade de vinho adocicado ou misturado (o vinum passum, semelhante a um suco alcoólico) poderia ser tolerada para fins medicinais ou em rituais religiosos — e ainda assim, com cautela.

Curiosidades históricas

• O vinho e as sacerdotisas: As vestais, sacerdotisas de Vesta, eram proibidas de beber vinho sob pena de serem consideradas indignas e sofrerem severas punições.

• Mudança gradual: Com o tempo, especialmente durante o final da República e o Império, os costumes começaram a se flexibilizar, e mulheres da aristocracia passaram a consumir vinho em jantares e banquetes privados.

• Variações regionais: Em algumas províncias romanas, longe dos rígidos olhos de Roma, mulheres consumiam vinho com mais liberdade, especialmente onde tradições locais permitiam.

Do cárcere ao cálice: a evolução cultural do consumo de vinho

Com o declínio do rigor moral romano e a chegada de novas influências culturais, a relação entre mulheres e vinho começou a mudar. Durante o Império, figuras femininas como Popeia Sabina (esposa de Nero) eram conhecidas por sua participação em festas regadas a vinho.

Nos séculos seguintes, durante a Idade Média e a Renascença, o vinho continuou a ser parte essencial da cultura europeia, e as mulheres passaram a ter um papel mais ativo — seja como consumidoras, produtoras ou patronas de vinícolas. Hoje, o cenário é completamente outro: mulheres lideram vinícolas, assinam rótulos premiados, brilham como sommelières e, é claro, brindam livremente.

O que antes foi proibido virou celebração. Cada taça erguida é, também, um brinde silencioso à liberdade conquistada ao longo dos séculos — e à importância do vinho como elo entre culturas, histórias e pessoas.