Até 1956, crianças francesas tomavam vinho na escola
Se há um país onde o vinho transcende a bebida e se transforma em símbolo cultural, esse país é a França. Terra de vinhedos centenários e de tradições passadas de geração em geração, a França tem no vinho não apenas um produto agrícola de excelência, mas um elemento quase sagrado de sua identidade nacional.

E por mais surpreendente que pareça aos olhos modernos, durante muito tempo esse vínculo com o vinho começava cedo — ainda na infância, dentro das escolas.
Sim, até 1956, era comum que crianças francesas recebessem vinho no intervalo do almoço escolar. Uma prática que, embora cause espanto hoje, era vista como absolutamente natural por gerações de franceses. Mas como surgiu esse costume? Que tipo de vinho era servido? E o que motivou sua interrupção? Convidamos você a embarcar conosco nessa viagem pelo tempo, saboreando um capítulo fascinante da história do vinho francês.
O vinho no cotidiano francês: naturalidade e tradição
Durante séculos, o vinho foi parte essencial da dieta dos franceses. Em tempos em que a água potável nem sempre era confiável — especialmente nas zonas rurais — o vinho surgia como uma alternativa mais segura e nutritiva. Além disso, com um teor alcoólico relativamente baixo, os vinhos servidos nas refeições ajudavam na digestão e até forneciam calorias e energia.
Nesse contexto, era comum que o vinho estivesse presente em todas as refeições — inclusive no almoço das crianças. Não se tratava de um incentivo ao consumo excessivo, mas de um reflexo do quanto o vinho estava integrado ao estilo de vida francês. Para muitos, era simplesmente inconcebível uma refeição sem uma taça de tinto ou rosé, independentemente da idade.
Vinho na lancheira: como funcionava nas escolas
A prática era mais comum nas regiões vitivinícolas, como Bordeaux, Bourgogne, Alsace e Languedoc, onde o vinho fazia parte do dia a dia das famílias. Crianças a partir de sete anos de idade costumavam receber, no refeitório da escola, uma pequena porção de vinho diluído em água, servida em copos modestos — geralmente acompanhando o pão e o queijo no almoço.
Os tipos de vinho variavam conforme a região: vinhos tintos leves, rosés e até vinhos brancos de menor teor alcoólico estavam entre os mais comuns. Em muitas escolas, o vinho era fornecido pelo governo local ou pelos próprios pais, como parte do material escolar básico.
Essa prática refletia não apenas uma tradição cultural, mas também uma visão diferente sobre o álcool: o vinho era considerado um alimento, não uma substância intoxicante. O consumo era moderado, ritualístico, e fazia parte da formação social das crianças.
A virada de mentalidade: rumo à proibição
Com o avanço da medicina e das ciências sociais no século XX, a percepção sobre o consumo de álcool começou a mudar. Surgiram preocupações com o impacto do álcool no desenvolvimento infantil, além de campanhas crescentes de saúde pública contra o alcoolismo — que, naquela época, já se tornava um problema visível entre adultos.
Foi nesse clima de transformação que, em 1956, o governo francês aprovou uma lei proibindo a oferta de bebidas alcoólicas nas escolas para menores de 14 anos. A decisão gerou certo desconforto em algumas comunidades, mas acabou sendo aceita como um passo necessário para a modernização do sistema educacional e da saúde pública.
Ao longo das décadas seguintes, a legislação foi ficando ainda mais rígida, até que qualquer consumo de álcool em ambiente escolar foi completamente vetado.
O vinho hoje: da infância à reverência adulta
A cultura do vinho na França passou por profundas mudanças desde então, mas sem jamais perder sua essência. Hoje, o vinho deixou de ser parte do cotidiano infantil, mas continua sendo uma peça fundamental da identidade francesa. Ele é ensinado, apreciado, estudado — e reverenciado como arte e patrimônio.
O consumo responsável é valorizado, e o aprendizado sobre o vinho passou das escolas primárias para as escolas de enologia, restaurantes, museus e, claro, para as casas dos franceses, onde ainda se brinda com paixão e respeito por essa tradição milenar.
Um brinde à história — e ao presente
O episódio das crianças tomando vinho na escola pode soar curioso ou até chocante à primeira vista. Mas ele nos lembra de algo essencial: o vinho não é apenas uma bebida. Ele é um símbolo de cultura, de convivência, de história.
Convidamos você a explorar os nossos rótulos e a descobrir, em cada gole, um pouco dessa história que atravessa gerações. Afinal, brindar é também uma forma de contar histórias — e nós temos muitas para compartilhar.